Contracolonização é o conceito-chave desta obra de Antônio Bispo, que contrapõe de forma desconcertante o modo de vida quilombola ao da sociedade colonialista.
Com uma linguagem própria, de palavras "germinantes", o autor oferece um olhar urgente e provocador sobre os modos de viver, habitar e se relacionar com os demais viventes e com a terra. A partir da Caatinga brasileira, mais especificamente do Quilombo Saco Curtume, no Piauí, Bispo denuncia a cosmofobia – o medo do cosmos que funda o mundo urbano eurocristão monoteísta – e empreende uma guerra das denominações, enfraquecendo as palavras dos colonizadores. Desafiando o debate decolonial, compreendido por ele como a depressão do colonialismo, propõe a contracolonização, um modo de vida ainda não nomeado e que precede a própria colonização. Não se trata de um pensamento binário, mas de um pensamento fronteiriço e "afro-pindorâmico" para compreender o mundo de forma "diversal", integrado por uma variedade de ecossistemas, idiomas, espécies e reinos.
A terra dá, a terra quer registra de modo inédito muitos dos saberes transmitidos pela oralidade por esse "lavrador de palavras" acerca do agronegócio, das cidades, das favelas, dos condomínios fechados e da arquitetura. Transitando por muitos mundos, Bispo semeia potentes traduções de questões cruciais para o nosso tempo como ecologia, clima, energia, trabalho, cultivo e alimentação. Diante da mercantilização da vida e dos saberes, este livro compartilha a força ancestral da circularidade começo, meio e começo.
Antônio Bispo dos Santos nasceu em 1959 no vale do rio Berlengas, Piauí. Lavrador, formou-se com os saberes de mestras e mestres do Quilombo Saco Curtume, no município de São João do Piauí, e foi o primeiro de sua família a ser alfabetizado. Desde cedo, foi incumbido de desenvolver a habilidade de traduzir para a escrita a sabedoria de seu povo e mediar as relações com o Estado, cuja violência se manifesta, também, pela invalidação da oralidade. Como liderança, atuou na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (Cecoq/PI) e na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Sua atuação política nos movimentos de luta pela terra ancora-se na cosmovisão dos povos contracolonizadores. Nêgo Bispo, como também é conhecido, é autor de vários artigos, poemas e do livro Colonização, Quilombos: modos e significações (UnB/INCTI, 2015), além de coordenador da coleção Quatro Cantos (n-1 edições, 2022). Na revista piseagrama publicou os ensaios Modos quilombolas (2016) e Somos da terra (2018). Tem realizado palestras, conferências e cursos por todo o Brasil. É professor convi- dado do Encontro de Saberes da UnB/INCTI e da Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG.
Livro impecável de Nêgo Bispo que saiu no Circuito Ubu esse mês, atravessa a essência quilombola da contracolonização de pessoas, animais e plantas, além da própria terra. É uma leitura rápida, porém de grande intensidade que coloca às claras toda "humanização" que nos vilipendia a todos.
"Para nós, a pessoa que é importante não é quase nada. É aquela pessoa que se acha ótima, mas não serve. O termo que tem valor para nós é necessário."
Esse livro é um manifesto contracolonialista escrito por um quilombola sobre como podemos pensar um novo modo de vida, em harmonia com a natureza (afinal, fazemos parte dela) e com os seres que habitam a terra.
Indispensável para debater o futuro, o capitalismo, o consumismo e, como diz o Ailton Krenak, formas de adiar o fim do mundo.
É espantoso se dar conta que parte da paisagem natural atual é, na verdade, legado da colonização. A valorização da escrita em detrimento da oralidade. As casas que moramos não foram construídas por nós e não saberíamos como fazer. A marginalização das gírias e do linguajar periférico em geral. A lógica do armazenamento que leva ao desperdício e a escassez. Lixos tomam o lugar das matas.
É preciso contrariar a ideia de desenvolvimento e globalização. Precisamos voltar e reaprender a lidar com outras formas de vida e o ambiente ao redor.
As cosmovisões irão acabar com as monoculturas!
"Por que adoecemos menos nos quilombos no contexto de pandemia? Um grande mestre nos explica: “Nos quilombos temos relacionamentos, não temos aglomerações. Aglomerações são feitas de corpos que não se conhecem, que não se tocam”. E como não se relacionam, não se imunizam. Nós, que nos relacionamos, que nos abraçamos, estamos imunizados." ❤
Nego Bispo é um desses raros pensadores cuja alma parece encantar e educar simultaneamente, combinando saberes que integram corpo, mente, tradições ancestrais e a arte de viver plenamente o presente. Em "A terra dá, a terra quer", ele nos convida a deslocar nossas referências para um mundo menos condicionado, liberando-nos das amarras que restringem nossa capacidade de sentir, amar e pertencer verdadeiramente.
O autor propõe um novo vocabulário que substitui a ideia de "desenvolvimento", que frequentemente leva à desconexão, por "envolvimento", que nos impulsiona ao compartilhamento, ao reconhecimento mútuo e ao respeito. Bispo ilustra isso com a metáfora da confluência de rios, explicando como eles não perdem sua essência ao se unirem; pelo contrário, fortalecem-se e integram-se.
Com uma perspectiva crítica, Bispo argumenta que as cidades são construções artificiais e sintéticas, excluindo a possibilidade de outras formas de vida. Ele sugere que, se aprendêssemos com o reino vegetal, perceberíamos que há espaço para todos coexistirem. Essa "cosmofobia", segundo ele, é alimentada por crenças monoteístas que impõem a visão de um único deus, limitando nossa percepção do pluralismo do mundo.
Um dos ensinamentos mais impactantes do livro é que somos educados para acumular, o que nos desconecta da natureza. "Só precisa armazenar quem não confia", Bispo nos lembra, desafiando-nos a reconsiderar nossa relação com o consumo e a posse.
Este livro é um chamado para compartilharmos mais sabedorias como as de Bispo, para que possamos modificar nossos modos de vida enquanto ainda estamos aqui, no agora. Ele nos encoraja a adotar modos de vida que sejam sustentáveis e respeitosos com o ambiente e uns com os outros, promovendo uma verdadeira autogestão ao invés de depender de estruturas políticas opressivas.
Aqui estão algumas frases marcantes da obra que ressoaram em mim:
- "Nós não temos cultura, nós temos modos de ver, de sentir, de fazer as coisas, modos de vida. E os modos podem ser modificados". - "O teatro como qualquer outro tipo de arte é mercantilizado, bloqueia a conversa das almas. A arte alimenta a vida, ela não deve ser mercadoria". - "Na cidade grande, só tem valor o que vira mercadoria". - "Só precisa armazenar quem não confia". - "Afetos não se trocam, se compartilham. O afeto vai e vem, o compartilhamento é algo que rende". - "Toda prática alimentar que se conecta com as festas se torna mais forte. A comida alimenta o corpo e alimenta a alma". - "Toda política é um instrumento colonialista porque diz respeito à gestão da vida alheia. Política não é autogestão". - "Prefiro não falar em sonhos mas em imaginários. Sonhos acabam quando acordamos". - "As universidades são fábricas de transformar saberes em mercadoria". - "O desenvolvimento e o colonialismo chegam subjugando, atacando e destruindo".
A obra de Bispo é um chamado para reconstruirmos nossas referências, integrarmos saberes que por vezes são marginalizados e trazer mais verdade ao viver.
nego bispo é um gênio, um porta-voz, um mestre, uma luz, um abraço, um sonho é um livro muito divertido de ler, a forma como ele provoca tudo que nós "brancos eurocristãos monoteístas" fazemos da vida é uma reviravolta muito bem vinda em nossas certezas já tinha lido outros escritos dele também muito impactantes mas esse definitivamente foi meu preferido não acho que ainda há tempo de nos salvarmos do fim do mundo, se houvesse ele seria um guia mas não havendo, suas palavras trazem fortes pistas de onde erramos pra vir parar aqui, rs
Esse é um livro muito fora do convencional, nas leituras que normalmente faço. Uma visão de mundo muito diferente do que estou acostumado, e ao mesmo tempo, faz muito sentido. Foi uma experiência muito rica conhecer mais sobre como a vida pode ser vivida de um jeito diferente. Uma das coisas mais interessantes é encontrar questionamentos de ideias muito estabelecidas e convencionais. Por exemplo, sobre como o sistema em que vivemos, onde tudo tem um preço e toda troca está baseada em dinheiro, é apenas uma forma de viver a vida, não a única. E, sem dúvida, não a melhor.
Também me chamou muita atenção o quanto o individualismo é forte na nossa cultura e sociedade, e como existem formas mais colaborativas e coletivas de levar a vida. Outra coisa que achei interessante foi a questão da posse: por que as pessoas deveriam “possuir” coisas que são, na verdade, de bem coletivo? É um conceito que parece normal, mas que, no fundo, é estranho quando paramos para pensar.
Despertou em mim uma enorme curiosidade em visitar e conhecer mais o trabalho de Antônio Bispo e o dia a dia nos quilombos que ainda existem no Brasil. Por fim, vou deixar o comentário de minha namorada: um livro para ler pouco e pensar muito.
Algumas leituras exigem um tempo extra, um respiro, um espaço para sentir cada palavra reverberar. Foi assim que me senti ao ler A Terra Dá, A Terra Quer, de Nego Bispo. Esse é um livro da Caatinga que é difícil de ser lido de uma vez. O próprio livro já combate a noção de linearidade colonial na leitura: não é sobre começo, meio e fim. Retomar as páginas, rabiscá-las, referenciá-las e emprestá-las já são convites para entender a circularidade do tempo. Começo, meio, começo.
Ele propõe uma relação radicalmente diferente com a terra, com a vida e com o saber. Ao contrário da lógica colonial, que nos separa da terra, ele nos lembra que somos território, e o território somos nós. A terra não apenas dá — ela quer, e quer uma harmonia entre os seus compartilhantes. Não se trata apenas de tomar o que ela oferece, mas de se envolver. É um convite à pluralidade e um lembrete: os quilombos não são lugares estáticos, estão em confluência constante.
O que mais me tocou foi a maneira como ele disputa o significado das palavras. Nego Bispo faz da linguagem uma ferramenta contracolonialista e nos convida a repensar conceitos que tomamos como certos. Ele nos provoca a abandonar o “desenvolvimento”, que significa um “deixar de se envolver, distanciar-se”, e a nos voltarmos para o “envolvimento”, que nos fortalece com o que realmente importa.
Nessa direção, o eterno pensador quilombola nos coloca diante de outras críticas necessárias: ao racismo socioambiental — que permeia não só os humanos, mas todas as espécies —, aos agrotóxicos, à arquitetura excludente das cidades, aos espaços de imposição de decisões, ao especismo e ao nosso distanciamento da vida orgânica.
Ler Nego Bispo é ser confrontada com verdades incômodas e belas. A escrita é poética. Ele nos oferece uma visão combativa e, ao mesmo tempo, profundamente enraizada na realidade de quem fala e pensa sobre onde pisa.
Ao terminar o livro, me senti honrada por partilhar o mesmo Brasil que ele, um homem cuja genialidade abriu, e seguirá abrindo, portas para formas mais envolventes de se relacionar com o mundo.
Acho difícil avaliar um livro que traz embutido a história de vida de uma pessoa, ainda mais de um lugar que, eu com certeza, não tenho lugar de fala. Mas, vamos lá, livro curto porém extremamente profundo, da para ler em um dia, levei 3, pq precisei parar para respirar e dar um tempo dele. Traz reflexões importantíssimas sobre colonização, sobre impor teu modo de vida sobre os outros, sobre não se importar, sobre subjugar e definir que só o seu jeito de viver é o certo. O que me incomodou foi que o autor não foi imparcial e a posição dele era de um homem hetero cis patriarcal, ele, de certa forma, estava empurrando também a maneira dele de ver e viver o mundo como a única correta. Vale a pena ler ? Sim!! Precisamos abrir a mente para pensar o quanto a colonização eurocristã moldou nossas vidas, para cada um se rebelar e parar de ser gado seguindo certas normas. É um livro que estudantes teriam que ler na escola para alimentar debates. Mas não é um livro que eu concorde 100% com a narrativa.
Vi o Nego Bispo falar em uma palestra e fiquei fascinado tanto com a oratória, quanto com o conteúdo provocante que ele traz. O livro não é a mesma coisa da fala, mas traduz muito o sentimento de desconexão que o autor sente com o mundo atual. Sinto que tem algumas coisas um pouco desconectadas com a realidade atual, mas continuam válidas para a reflexão do distanciamento que temos com a natureza e com as pessoas na vida urbana que a maioria de nós vivemos.
Muito interessante ler as palavras de Antônio Bispo. Ando meio afastada de ler sobre cosmologias quilombolas e foi bom me aventurar nessa leitura. Sempre bom ler sobre uma outra percepção de existência, outra cultural, porque podemos ainda mais estranhar a nossa própria. Antônio Bispo nos convida a isso. Nós da cidade, muitas vezes mandando alguém construir uma casa pra nós, Bispo comenta que onde morava, nunca precisava pagar para fazer uma casa: no dia, vinha um mutirão, vinha todo mundo, virava festa e faziam uma casa rapidamente. Muito legal ler sobre as festas e sobre os animais.
“Quando precisamos de uma bendita sobram para aliviar ø sol, a jucurutu nos acolhe. Um pé de jucurutu, para nós, é como uma marquise para quem vive na cidade.”
“Se você vai andando e vê um rato correndo no meio da mata, logo atrás dele há risco de ter uma cobra. Ele compartilha um aviso: ‘não ande agora por aqui porque a coisa pode não estar boa!’. Um rato no mato não é uma coisa tão ruim quanto um rato na cidade. Um rato na mata é um compartilhante. Se vejo uma comida que serve pro rato, vou ter de deixá-la ali porque um rato pode ser um informante’.”
Leitura tranquila, dá pra terminar rapidinho. De qualquer forma, alguma coisa me incomodou em algumas passagens. Sinto que na escrita bagunçou um pouco ø ponto que ele queria chegar. Talvez, na oralidade, seria melhor mesmo… não sei! Realmente eu tive um incômodo em alguns momentos. Mas é uma boa leitura sim.
é um livro muito bom! traz pontos de vistas que eu nunca pensaria e amplia muito nosso olhar. mas, ao mesmo tempo, achei algumas afirmações meio extremas.
entendo esse como um livro "radical", necessário, mas ainda sim muito extremo.
a real é que a faculdade e o mercado de trabalho me tornaram mais distopica do que utópica. entender que algumas coisas que a gente deseja não vão acontecer e ter que se contentar com o mínimo dói, mas é melhor que nada....... (reclamar de uma mera lixeira identificada como lixo orgânico, juro 5 minutinhos trabalhando com educação ambiental ce esquece isso)
no mais, ele só enfatiza ainda mais a necessidade e urgência de grupos oprimidos em papéis de tomada de decisão!
Apesar da riqueza dos conceitos baseados no saber ancestral, da clareza como Nego Bispo traz o viver quilombola e a cultura nordestina para se contrapor ao modo de viver colonialista, acho que faltou profundidade, faltou conexão, mesmo com as exemplificações, tudo ficou meio vazio, meio vago e em determinados momentos parecia estar girando em torno do seu próprio eixo, falando a mesma coisa de maneira diferente. Um bom livro mas para se aprofundar no tema com certeza se fará necessário buscar outras fontes.
Ter contato com saberes ancestrais sempre me causa uma estranheza. Por mais que eu leia bastante sobre assuntos que tangem o tema e ache que já estou familiarizado, sempre vem um livro assim pra me dar um tapa e me fazer refletir sobre aquilo que eu achava que sabia. Arregalei os olhos em alguns trechos por achar aquilo ainda tão distante da realidade que vivo. Mas na maior parte só balancei a cabeça em concordância. É daqueles livros pra destacar vários trechos e ter sempre à mão pra reler e fazer circular.
Esse livro me emocionou profundamente, nem tenho palavras para definir. Até porque muito provavelmente as palavras que eu usaria são originadas de um pensamento colonialista e colonizado. E o livro é sobre a construção de pensamento e uma linguagem anti-colonial.
cheguei até o final das páginas e parece que o livro acabou de começar pra mim, os efeitos na formulação dos pensamentos e a inversão de causa e consequência já se percebem, ansiosa pro que vai sair disso. começo, meio e começo, que bonita a existência-confluência de negô bispo e seu legado!
Adorei ler Antônio Bispo, mas gostei ainda mais de ouvi-lo. E foi melhor ainda ler depois de ouvir, assim era ele quem me contava, com sua voz e cadência, a cada página, o muito que viveu e compartilhou sobre contra-colonização, sobre sua visão da vida, da terra, dos seres. Falou até de mim - mesmo ao não falar. São poucas páginas, mas não foi uma leitura nem rápida nem fácil. Acontece isso quando a densidade é muita e o aprendizado é novo. Recomendo demais.
Tem discussões realmente interessantes e trouxe a tona questões e perspectivas que eu não tinha pensado. Mas também tem muitos pontos que eu discordo e acredito que poderia ter uma análise mais aprofundada ou melhor desenvolvida.
Por mais autores quilombolas para contracolonizar nosso mundo, nossas leituras, nossas formas de pensar europeias e nossas vidas! Viva eterno Nego Bispo, viva a literatura quilombola e piauiense!
Entre confluências e descolonizações, Nego Bispo nos conduz á uma série de reflexões sobre os modos de vida e a cosmologia. Leitura rápida, mas intensa, e um tanto quanto frustrante quando fecho o livro e olho a realidade ao meu redor: um mundo que prega o desenvolvimento e a teoria em vez do envolvimento e a trajetória.
Possivelmente, um dos livros políticos mais confusos que já li na minha vida. Antônio Bispo dos Santos muitas vezes parece um idoso confuso que busca resolver os problemas das maneiras mais erradas e ignorantes possíveis, sem ao menos se situar socialmente sobre a questão ou ponderar se ele mesmo não pode ser um “colonizador” de seu meio.
Em A terra dá, a terra quer, somos apresentados a um ensaio sobre as condições emergentes da população quilombola, agricultura, linguagem e movimentos políticos periféricos. Porém, Bispo possui tantas ideias erradas, pontos de vista deturpados por pensar que é a “única pessoa inteligente na terra” e que sua maneira de lidar com as situações é “a mais certa e que somente ela vai melhorar tudo” que cancela todo o prazer da obra, mesmo possuindo até alguns pontos positivos e críticos em relação ao status quo. Seu ato de egocentrismo barato, masculino e frágil faz com que ele, um homem negro idoso quilombola, nem mesmo aborde a questão racial com a seriedade e profundidade necessárias para desenvolver um pensamento crítico sobre a situação atual dos quilombos.
Vale a pena? Se você quiser aumentar a raiva ou frustração por uma esquerda que não possui uma direção apropriada na política e anda perdida em busca de novos Lulas, ou seja, novas figuras para constituir a ideia de “mito” político, vale muito a pena! Agora, para um leitor sério ou acadêmico, eu dispensaria completamente, a não ser que seja para conhecer a figura de Antônio Bispo mais profundamente.
Um livro que respira e opera em uma chave de oralidade. Pensamento forte, sem medo de sua amplitude, assumindo os riscos das críticas que vão em todas as direções (direita, esquerda, Norte, Sul, cidade, campo etc.). Modo de pensar que vem da terra, da vida nos quilombos e comunidades, de um conhecimento cuja referência é a ancestralidade. Modo de vida que se opõe à política, essa gestão da vida alheia; que opõe arte à cultura e principalmente que evidencia o Colonialismo do Estado, que limita as práticas Quilombolas oferecendo a troca dos saberes tradicionais e dos modos de vida confluentes pela mercantilização, envolvimento por desenvolvimento, caça vira crime roça quilombola vira agrofloresta etc. Claro que o poder do discurso, sua capacidade como argumentação, depende de uma lógica que é necessário ir buscar fora. Por exemplo, a prática, defendida pelo autor de lixo orgânico ser jogado na mata, ou da caça como meio de vida funciona apenas em uma comunidade que ainda é uma comunidade, mais restrita, sem essa fissura pela totalização, pelo desenvolvimento/multiplicação e comodificação da natureza. Uma vez que tenhamos de lidar com esses aspectos intrínsecos da sociedade, alguns 'aforismos' do autor produzem choques de narrativas que fazem pensar nos fundamentos (axiomas?) de uma sociedade 'sustentável'.
sempre é muito delicado ler cosmovisões tão distintas. tal qual quando li krenak, a sensação é que, daqui dessas arquiteturas colonialistas da cidade, é difícil fundir os horizontes por meio das palavras de nego bispo.
Muitos saberes importantíssimos aqui, recomendo a leitura, mas a narrativa me pareceu muitas vezes confusa, e tive dificuldade de concordar com algumas ideias que precisavam de um aprofundamento, a meu ver.
Interessante visão de uma outra possível forma de viver. Antônio Bispo dos Santos veio de uma sociedade quilombola e traz uma visão subversiva da sociedade ocidental (eurocristã monoteísta), de suas crenças e rituais (cosmologia). Esse é um livro simples, mas, ao mesmo tempo, complexo; é um livro de perguntas, mas também é um livro de respostas. O autor traz várias citações sobre as quais me detive em meditação por algum tempo.
“Quando completei dez anos, comecei a adestrar bois. Foi assim que aprendi que adestrar e colonizar são a mesma coisa. Tanto o adestrador quanto o colonizador começam por desterritorializar o ente atacado quebrando-lhe a identidade, tirando-o de sua cosmologia, distanciando-o de seus sagrados, impondo-lhe novos modos de vida e colocando-lhe outro nome. O processo de denominação é uma tentativa de apagamento de uma memória para que outra possa ser composta.
Por sua vivência (simples e complexa), ele oferece uma perspectiva lúcida de uma sociedade que pensa muito, mas reflete pouco. O ponto que ele traz é de contracolonização, e que dá para fazer isso de diversas formas, inclusive pela linguagem. Ao introduzir palavras novas e atribuir peso a elas, trazemos essas palavras ao “senso comum” e, dessa forma, ampliamos debates e, mais importante ainda, ampliamos narrativas.
“O contracolonialismo é simples: é você querer me colonizar e eu não aceitar que você me colonize, é eu me defender. O contracolonialismo é um modo de vida diferente do colonialismo.”
Uma defesa contra a colonização seria também a definição de limites territoriais, a demarcação de terras. Assim, povos podem coexistir sem que um colonize o outro. O autor traz também várias críticas aos governos ditos de esquerda, que achei bastante pertinentes.
“O Minha Casa, Minha Vida é o programa mais colonialista nas políticas de habitação. Foi um ataque brutal, violento, perverso, racista, institucionalmente colonialista. É melhor falar colonialismo do que racismo, porque alterar a arquitetura, subjugar ou proibir a arquitetura existente é mais do que racismo. Por que não levaram em consideração a arquitetura do povo da favela?” “Qualquer governo de um Estado colonialista será um governo colonialista. É preciso contracolonizar a estrutura organizativa.”
O autor traz algumas contradições da sociedade ocidental e contra põe com seus saberes advindos da vivência na sociedade quilombola. São pontos que, na minha opinião, deveriam pautar debates mas que também me parecem um pouco ingênua com a atual atuação dos governos regionais e mundiais. É um livro, na verdade, para se inspirar. Ler, pensar e agir.