Rodrigo Constantino's Blog, page 441
May 20, 2011
Boibrás: A vaca vai pro brejo

Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
A JBS anunciou que debêntures no valor de quase R$ 3,5 bilhões serão convertidas pelo BNDES, que passará a ter mais de 30% de participação acionária na empresa. O banco estatal já tinha emprestado para a empresa rios de dinheiro. A JBS faturava pouco mais de R$ 4 bilhões em 2006, já em termos consolidados. Com a "mãozinha" do governo, o conglomerado agora fatura quase R$ 60 bilhões!
Mais complicado, porém, tem sido transformar esta montanha de faturamento em lucro. A empresa, que lucrou quase R$ 160 milhões em 2006, apresentou um prejuízo acima de R$ 300 milhões em 2010. Entrementes, a gigante da agropecuária acumulou quase R$ 20 bilhões de dívida líquida no período. O governo, por meio do BNDES, resolveu criar uma "vencedora" no setor, na marra, e concedeu crédito quase ilimitado para este fim. Será que houve algum critério técnico para emprestar tanto dinheiro a uma empresa que não consegue nem lucrar?
O mercado de capitais acusa o golpe. As ações da JBS acumulam queda de quase 30% no ano. Nos últimos 24 meses, enquanto o CDI subiu 20%, a JBS caiu quase 15%. E esta empresa que o governo agora, por meio do BNDES, resolveu ser grande acionista. É a criação da Boibrás, a estatal dos bois. As tetas do governo são fartas para os "amigos do rei". De tetas o governo entende!
O caso da JBS é escandaloso e sintomático, demonstrando como o BNDES foi transformado pelo PT num veículo promíscuo de "desenvolvimentismo nacionalista". Roberto Campos, que ajudou a criar o BNDE (antes do S de "social"), ainda em vida chegou a lamentar sua transformação: "Acompanhei, com atenção, ao longo dos anos, a trajetória dessa organização, que ajudara a criar. Graças ao recrutamento por concurso público, o BNDE manteve uma saudável tradição meritocrática, com nível técnico bastante satisfatório. Não escapou, naturalmente, ao vício do burocratismo e complacência com a irrupção do nacional-estatismo".
Published on May 20, 2011 06:44
O Ibovespa segue patinando, sem ir a lugar algum
Rodrigo Constantino, jornal Valor Econômico
O Ibovespa atingiu os 65 mil pontos em outubro de 2007. Mais de 40 meses depois, eis que o índice mais importante de ações brasileiras se encontra no mesmo patamar. No período, o CDI rendeu mais de 40% e a inflação subiu mais de 20%.
O investidor que decidiu assumir um risco de bolsa no final de 2007, mesmo com horizonte de longo prazo, não tem motivo para celebrar. Não só teve um custo de oportunidade elevado, como teve que aturar uma volatilidade de 35% ao ano!
Alguns podem argumentar que o Ibovespa não é o instrumento mais adequado, pois tem distorções, como o excessivo peso da Petrobras. Mas o IBr-X 100 apresentou desempenho idêntico no período. Dentro do Ibovespa há muita discrepância de desempenho, naturalmente. Algumas empresas subiram bastante, outras despencaram.
O "stock picking" e o "timing" da entrada se mostram, como sempre, essenciais para o bom desempenho do investidor. Mas, em linhas gerais, a conclusão parece inequívoca: a bolsa brasileira está patinando há quase quatro anos.
O que pode explicar desempenho tão medíocre? De fato, o período engloba a grande crise de 2008, uma das mais graves da história financeira. Mas também conta com o forte rali de 2009, após maciça injeção de liquidez pelos principais bancos centrais do mundo. O índice de commodities CRB oscilou muito no período, e está praticamente no mesmo nível do começo.
O petróleo, que estava perto de US$ 90 por barril no final de 2007, desabou durante a crise, mas já voltou tudo e mais um pouco, passando da barreira dos US$ 100. Não obstante, a Petrobras, maior empresa brasileira, perdeu aproximadamente 25% de seu valor no período. Sem dúvida essa queda merece uma explicação especial.
A gigante estatal realizou em 2010 a maior capitalização da história do mercado de capitais brasileiro. Foram dezenas de bilhões de dólares para financiar seus agressivos projetos de crescimento. O mercado, entretanto, questiona a rentabilidade desses projetos.
Como a empresa pretende investir uma nova Petrobras nos próximos anos, a taxa de retorno desses investimentos é fundamental para analisar seu valor presente. Investimentos com baixo retorno, como aqueles destinados ao refino, prejudicam a geração futura de caixa, e os investidores punem as ações.
Além disso, há o grande risco político, com a intervenção do governo na empresa para manipular a inflação, ainda que isso signifique bilhões de prejuízo aos seus acionistas.
A Petrobras não foi o único dreno do Ibovespa. A Vale, maior empresa privada do país, perdeu mais de 10% desde outubro de 2007, apesar de o valor do minério de ferro ter quase triplicado nesse período. A Vale nunca ganhou tanto dinheiro, e mesmo assim suas ações patinam sem sair do lugar.
O risco político parece ser novamente o grande culpado aqui. O governo demonstrou apetite por maior ingerência na empresa, chegando a lutar abertamente pela demissão de seu CEO. Os investidores temem novas medidas arbitrárias que destruam valor para os acionistas. O anúncio de que a Vale teria interesse em investir em Belo Monte, feito pouco depois da saída de Roger Agnelli, produziu calafrios legítimos nos acionistas.
Outro setor importante da bolsa, o financeiro, apresentou desempenho pífio. Itaú, Bradesco e Banco do Brasil subiram, na média, algo perto de 10% nesse longo período, abaixo da inflação. Isso apesar de um crescimento estrondoso da carteira de crédito desses bancos.
Como o governo não fez reformas estruturais e os gargalos da economia continuaram intactos, o acelerado crescimento do crédito bateu nos dados de inflação. O governo resolveu apelar para medidas macroprudenciais, que afetam diretamente os bancos. A inflação continua sendo a grande ameaça para o cenário dos investidores - e, enquanto o governo não agir de forma dura para domar o dragão, essa espada continuará pendurada sobre a cabeça dos investidores.
Poderíamos continuar com os exemplos, mas o recado está claro: quem apostou de forma genérica no sucesso da economia brasileira por meio da bolsa perdeu bastante dinheiro nos últimos anos, em termos relativos.
Claro que quem acertou na escolha específica dos papéis ganhou muito dinheiro, assim como quem soube entrar e sair nas horas certas. Mas isso é muito mais fácil de falar do que fazer.
A bolsa brasileira tem sido veículo bom apenas para especuladores ágeis ou aqueles que sabem garimpar muito bem os ativos. Para o típico investidor médio, que compra as "blue chips" e "casa" com elas, tem sido puro sofrimento. O CDI tem dado um banho no Ibovespa, graças basicamente ao governo.
Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital
O Ibovespa atingiu os 65 mil pontos em outubro de 2007. Mais de 40 meses depois, eis que o índice mais importante de ações brasileiras se encontra no mesmo patamar. No período, o CDI rendeu mais de 40% e a inflação subiu mais de 20%.
O investidor que decidiu assumir um risco de bolsa no final de 2007, mesmo com horizonte de longo prazo, não tem motivo para celebrar. Não só teve um custo de oportunidade elevado, como teve que aturar uma volatilidade de 35% ao ano!
Alguns podem argumentar que o Ibovespa não é o instrumento mais adequado, pois tem distorções, como o excessivo peso da Petrobras. Mas o IBr-X 100 apresentou desempenho idêntico no período. Dentro do Ibovespa há muita discrepância de desempenho, naturalmente. Algumas empresas subiram bastante, outras despencaram.
O "stock picking" e o "timing" da entrada se mostram, como sempre, essenciais para o bom desempenho do investidor. Mas, em linhas gerais, a conclusão parece inequívoca: a bolsa brasileira está patinando há quase quatro anos.
O que pode explicar desempenho tão medíocre? De fato, o período engloba a grande crise de 2008, uma das mais graves da história financeira. Mas também conta com o forte rali de 2009, após maciça injeção de liquidez pelos principais bancos centrais do mundo. O índice de commodities CRB oscilou muito no período, e está praticamente no mesmo nível do começo.
O petróleo, que estava perto de US$ 90 por barril no final de 2007, desabou durante a crise, mas já voltou tudo e mais um pouco, passando da barreira dos US$ 100. Não obstante, a Petrobras, maior empresa brasileira, perdeu aproximadamente 25% de seu valor no período. Sem dúvida essa queda merece uma explicação especial.
A gigante estatal realizou em 2010 a maior capitalização da história do mercado de capitais brasileiro. Foram dezenas de bilhões de dólares para financiar seus agressivos projetos de crescimento. O mercado, entretanto, questiona a rentabilidade desses projetos.
Como a empresa pretende investir uma nova Petrobras nos próximos anos, a taxa de retorno desses investimentos é fundamental para analisar seu valor presente. Investimentos com baixo retorno, como aqueles destinados ao refino, prejudicam a geração futura de caixa, e os investidores punem as ações.
Além disso, há o grande risco político, com a intervenção do governo na empresa para manipular a inflação, ainda que isso signifique bilhões de prejuízo aos seus acionistas.
A Petrobras não foi o único dreno do Ibovespa. A Vale, maior empresa privada do país, perdeu mais de 10% desde outubro de 2007, apesar de o valor do minério de ferro ter quase triplicado nesse período. A Vale nunca ganhou tanto dinheiro, e mesmo assim suas ações patinam sem sair do lugar.
O risco político parece ser novamente o grande culpado aqui. O governo demonstrou apetite por maior ingerência na empresa, chegando a lutar abertamente pela demissão de seu CEO. Os investidores temem novas medidas arbitrárias que destruam valor para os acionistas. O anúncio de que a Vale teria interesse em investir em Belo Monte, feito pouco depois da saída de Roger Agnelli, produziu calafrios legítimos nos acionistas.
Outro setor importante da bolsa, o financeiro, apresentou desempenho pífio. Itaú, Bradesco e Banco do Brasil subiram, na média, algo perto de 10% nesse longo período, abaixo da inflação. Isso apesar de um crescimento estrondoso da carteira de crédito desses bancos.
Como o governo não fez reformas estruturais e os gargalos da economia continuaram intactos, o acelerado crescimento do crédito bateu nos dados de inflação. O governo resolveu apelar para medidas macroprudenciais, que afetam diretamente os bancos. A inflação continua sendo a grande ameaça para o cenário dos investidores - e, enquanto o governo não agir de forma dura para domar o dragão, essa espada continuará pendurada sobre a cabeça dos investidores.
Poderíamos continuar com os exemplos, mas o recado está claro: quem apostou de forma genérica no sucesso da economia brasileira por meio da bolsa perdeu bastante dinheiro nos últimos anos, em termos relativos.
Claro que quem acertou na escolha específica dos papéis ganhou muito dinheiro, assim como quem soube entrar e sair nas horas certas. Mas isso é muito mais fácil de falar do que fazer.
A bolsa brasileira tem sido veículo bom apenas para especuladores ágeis ou aqueles que sabem garimpar muito bem os ativos. Para o típico investidor médio, que compra as "blue chips" e "casa" com elas, tem sido puro sofrimento. O CDI tem dado um banho no Ibovespa, graças basicamente ao governo.
Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital
Published on May 20, 2011 04:16
The LinkedIn Mania
Editorial do WSJ
A company forecasting a loss for this year went public yesterday and quickly began trading at more than 30 times its annual revenues. And this is the social media company that tech analysts don't like.
We're referring to Thursday's initial public offering (IPO) on the New York Stock Exchange for LinkedIn. Offered at $45, which was up $10 from estimates only a week earlier, shares in the career-networking website opened at $83 and then zoomed to $122 for a valuation above $11 billion, before closing at $94. The IPO market hasn't seen exuberance like this, rational or irrational, since the 1990s.
The optimist in us hopes that this is a welcome return to economic animal spirits, with investors willing to bet on budding companies, and entrepreneurs willing and able to tap the public markets for capital. Companies with Internet business models have been enjoying fabulous valuations in their private placements, including Facebook, Twitter and Groupon, among others. We have no idea whether LinkedIn will be the next Google or the next Pets.com, but such risk-taking is essential if America is going to escape its post-panic malaise.
On the other hand, yesterday's remarkable price action also has a whiff of the manias that accompanied recent monetary-induced bubbles. Investment bankers are paid to price IPOs based on market expectations, so when shares are bid up as much as 171% above the issue price in a few hours, something more is going on than the business fundamentals.
In that sense, LinkedIn's founders can probably thank Ben Bernanke. The Federal Reserve Chairman has kept interest rates at near-zero for close to 30 months, surplus dollars are sloshing around the world, and investors are desperate for higher returns. They are thus walking out further on the risk curve, betting on junk bonds, gold and other commodities, Midwest farm land and emerging markets. Internet social media plays are as a good a bet as any.
Everybody is happy when these prices keep going up, and the definition of a mania is when no one expects them to fall. But as we've learned over the last decade or so, manias are also defined by volatility and overshooting. The recent plunge in silver and oil was a warning that what goes up rapidly can come down even faster. The longer they last, the more manias misallocate resources as investors ignore fundamentals and chase the crowd.
LinkedIn may prove to be a great business success that justifies its first-day pricing, and so much the better for the economy if it does. But we'd feel better about soaring valuations if they occurred at a time of robust economic growth and normal monetary policy.
Comentário: A revista britânica The Economist já veio com matéria de capa semana passada falando da nova bolha de tecnologia. O IPO da LinkedIn é mesmo um sintoma e tanto! As ações chegaram a subir mais de 100% ontem, no primeiro dia de pregão, após uma avaliação da empresa em mais de US$ 4 bilhões! É isso aí, Ben. A política de estímulos do Fed fazendo aquilo que sempre fez. Greenspan entende bem do assunto. Depois, vão culpar o "mercado livre" uma vez mais pelo sofrimento gerado após o estouro desta bolha. Alguém quer apostar?
A company forecasting a loss for this year went public yesterday and quickly began trading at more than 30 times its annual revenues. And this is the social media company that tech analysts don't like.
We're referring to Thursday's initial public offering (IPO) on the New York Stock Exchange for LinkedIn. Offered at $45, which was up $10 from estimates only a week earlier, shares in the career-networking website opened at $83 and then zoomed to $122 for a valuation above $11 billion, before closing at $94. The IPO market hasn't seen exuberance like this, rational or irrational, since the 1990s.
The optimist in us hopes that this is a welcome return to economic animal spirits, with investors willing to bet on budding companies, and entrepreneurs willing and able to tap the public markets for capital. Companies with Internet business models have been enjoying fabulous valuations in their private placements, including Facebook, Twitter and Groupon, among others. We have no idea whether LinkedIn will be the next Google or the next Pets.com, but such risk-taking is essential if America is going to escape its post-panic malaise.
On the other hand, yesterday's remarkable price action also has a whiff of the manias that accompanied recent monetary-induced bubbles. Investment bankers are paid to price IPOs based on market expectations, so when shares are bid up as much as 171% above the issue price in a few hours, something more is going on than the business fundamentals.
In that sense, LinkedIn's founders can probably thank Ben Bernanke. The Federal Reserve Chairman has kept interest rates at near-zero for close to 30 months, surplus dollars are sloshing around the world, and investors are desperate for higher returns. They are thus walking out further on the risk curve, betting on junk bonds, gold and other commodities, Midwest farm land and emerging markets. Internet social media plays are as a good a bet as any.
Everybody is happy when these prices keep going up, and the definition of a mania is when no one expects them to fall. But as we've learned over the last decade or so, manias are also defined by volatility and overshooting. The recent plunge in silver and oil was a warning that what goes up rapidly can come down even faster. The longer they last, the more manias misallocate resources as investors ignore fundamentals and chase the crowd.
LinkedIn may prove to be a great business success that justifies its first-day pricing, and so much the better for the economy if it does. But we'd feel better about soaring valuations if they occurred at a time of robust economic growth and normal monetary policy.
Comentário: A revista britânica The Economist já veio com matéria de capa semana passada falando da nova bolha de tecnologia. O IPO da LinkedIn é mesmo um sintoma e tanto! As ações chegaram a subir mais de 100% ontem, no primeiro dia de pregão, após uma avaliação da empresa em mais de US$ 4 bilhões! É isso aí, Ben. A política de estímulos do Fed fazendo aquilo que sempre fez. Greenspan entende bem do assunto. Depois, vão culpar o "mercado livre" uma vez mais pelo sofrimento gerado após o estouro desta bolha. Alguém quer apostar?
Published on May 20, 2011 04:06
May 19, 2011
Deu no NY Times: apagão de babás em SP
Reportagem do NY Times sobre emergência da classe média brasileira e seu impacto no mercado de babás em São Paulo, com minha singela colaboração:
Ms. Toledo and some economists are skeptical about how long the revolution can last. Dr. Neri said Brazilians still had low education levels: an average of seven years of study for adults older than 25. Rodrigo Constantino, an economist at Graphus Capital, said a lack of investment in education in Brazil would prevent many domestic workers from finding other, better-paying work, and incessant salary demands could stoke inflation.
"Brazil is riding this wave, and each class is moving up the ladder," Mr. Constantino said. "The problem I see is how this is going to be sustainable."
Ms. Toledo and some economists are skeptical about how long the revolution can last. Dr. Neri said Brazilians still had low education levels: an average of seven years of study for adults older than 25. Rodrigo Constantino, an economist at Graphus Capital, said a lack of investment in education in Brazil would prevent many domestic workers from finding other, better-paying work, and incessant salary demands could stoke inflation.
"Brazil is riding this wave, and each class is moving up the ladder," Mr. Constantino said. "The problem I see is how this is going to be sustainable."
Published on May 19, 2011 18:14
Imprensa francesa é subserviente
by GaveKal Research
The recent DSK scandal has once again brought the spotlight on the cozy and uncomfortable relationship between France's political elite and a media which, in France, seems to abdicate all too rapidly and all too often its role as the fourth estate. But can French journalists really be blamed for being as passive as the Anglo-Saxon press currently makes them out to be? As Charlie Munger repeatedly says: 'show me the incentives and I'll show you the outcome'. Using this rule to look at French media, it is hard to not feel sorry for French journalists. Indeed, here is what we know:
1) A quick glance through any French newspaper, or any French TV channel, shows that between 50%-75% of ads are for services or products offered either by a state-owned company (EDF, SNCF, Gaz de France, La Poste...) or a company partially owned by the government (Air France, Renault...). Given this open and overt dependency of the media on government revenues, can we really expect French journalists to be able to stir the pot aggressively? After all, does the SNCF or EDF really need to run ads given that most people do not have the choice to opt for other electricity, or railway, providers? What are these ads (for essentially monopolistic groups) meant to achieve if not to purchase the support of the media? With that in mind, is it really a surprise that every single French political scandal of note has been uncovered by either independent minded judges or by Le Canard Enchaine (the sole newspaper that does not run ads)?
2) Somewhat surprisingly, the two biggest French weapons manufacturers (Lagardere and Dassault) also happen to control the two largest French media groups, running titles such as Le Figaro, Paris Match, France-Soir, Journal du Dimanche... Defense groups owning newspapers and magazines? The synergies there do not appear obvious! Would no-one bat an eyelid if The New York Times was owned by Lockheed and The Times by BAE Systems? Is such a situation not rife with potential conflicts of interest as the French defense groups not only make most of their income by selling weapons to the government, but also depend on the government to get the authorization/lobbying to sell weapons outside of France (whether in Saudi Arabia, Taiwan, Brazil or India).
The large remaining media groups not owned by defense groups (such as TF1) are sometimes partially owned by Bouygues (France's largest construction company which depends on government infrastructure contracts for a good share of its revenue) or Vivendi (which now operates mostly in the telecom space but use to operate in water distribution)....
Putting it all together, it seems that the somewhat perplexing ownership structure of France's media behemoths invites massive potential conflicts of interest when it comes to covering the actions of France's political elite. Moreover, the very heavy weight of government-linked advertising does not help media groups establish their independence. This is why, when it comes to breaking news, French people are increasingly turning elsewhere (the announcement of Dominique Strauss-Kahn's troubles came through social media websites hours before any French news organization had a chance to react). Old media in France is dying (the recent financial troubles of Le Monde make The New York Times look like a blue chip, the TFI share price is down by two-thirds in the past decade...); and the DSK scandal has been a clear illustration as to why.
Comentário: Os fundadores do GaveKal, uma firma independente e renomada de pesquisa internacional, são franceses e conhecem bem a realidade deste país. A reação da grande imprensa francesa ao escândalo de Strauss-Kahn, o ex-chefão socialista do FMI, é mesmo o verdadeiro escândalo. A elite francesa logo partiu para a teoria conspiratória de que tudo não passa de uma armação, talvez até da CIA, para incriminar o adversário político de Sarkozy. O GaveKal mostra como é perigosa a simbiose entre governo e imprensa. O cão não morde a mão que o alimenta. A mídia francesa depende de recursos do governo. Os jornalistas franceses acabam subservientes aos políticos importantes, especialmente os de esquerda, que defendem esta simbiose. E pensar que deste país saiu um Voltaire nos tempos do Iluminismo! Pobres franceses...
The recent DSK scandal has once again brought the spotlight on the cozy and uncomfortable relationship between France's political elite and a media which, in France, seems to abdicate all too rapidly and all too often its role as the fourth estate. But can French journalists really be blamed for being as passive as the Anglo-Saxon press currently makes them out to be? As Charlie Munger repeatedly says: 'show me the incentives and I'll show you the outcome'. Using this rule to look at French media, it is hard to not feel sorry for French journalists. Indeed, here is what we know:
1) A quick glance through any French newspaper, or any French TV channel, shows that between 50%-75% of ads are for services or products offered either by a state-owned company (EDF, SNCF, Gaz de France, La Poste...) or a company partially owned by the government (Air France, Renault...). Given this open and overt dependency of the media on government revenues, can we really expect French journalists to be able to stir the pot aggressively? After all, does the SNCF or EDF really need to run ads given that most people do not have the choice to opt for other electricity, or railway, providers? What are these ads (for essentially monopolistic groups) meant to achieve if not to purchase the support of the media? With that in mind, is it really a surprise that every single French political scandal of note has been uncovered by either independent minded judges or by Le Canard Enchaine (the sole newspaper that does not run ads)?
2) Somewhat surprisingly, the two biggest French weapons manufacturers (Lagardere and Dassault) also happen to control the two largest French media groups, running titles such as Le Figaro, Paris Match, France-Soir, Journal du Dimanche... Defense groups owning newspapers and magazines? The synergies there do not appear obvious! Would no-one bat an eyelid if The New York Times was owned by Lockheed and The Times by BAE Systems? Is such a situation not rife with potential conflicts of interest as the French defense groups not only make most of their income by selling weapons to the government, but also depend on the government to get the authorization/lobbying to sell weapons outside of France (whether in Saudi Arabia, Taiwan, Brazil or India).
The large remaining media groups not owned by defense groups (such as TF1) are sometimes partially owned by Bouygues (France's largest construction company which depends on government infrastructure contracts for a good share of its revenue) or Vivendi (which now operates mostly in the telecom space but use to operate in water distribution)....
Putting it all together, it seems that the somewhat perplexing ownership structure of France's media behemoths invites massive potential conflicts of interest when it comes to covering the actions of France's political elite. Moreover, the very heavy weight of government-linked advertising does not help media groups establish their independence. This is why, when it comes to breaking news, French people are increasingly turning elsewhere (the announcement of Dominique Strauss-Kahn's troubles came through social media websites hours before any French news organization had a chance to react). Old media in France is dying (the recent financial troubles of Le Monde make The New York Times look like a blue chip, the TFI share price is down by two-thirds in the past decade...); and the DSK scandal has been a clear illustration as to why.
Comentário: Os fundadores do GaveKal, uma firma independente e renomada de pesquisa internacional, são franceses e conhecem bem a realidade deste país. A reação da grande imprensa francesa ao escândalo de Strauss-Kahn, o ex-chefão socialista do FMI, é mesmo o verdadeiro escândalo. A elite francesa logo partiu para a teoria conspiratória de que tudo não passa de uma armação, talvez até da CIA, para incriminar o adversário político de Sarkozy. O GaveKal mostra como é perigosa a simbiose entre governo e imprensa. O cão não morde a mão que o alimenta. A mídia francesa depende de recursos do governo. Os jornalistas franceses acabam subservientes aos políticos importantes, especialmente os de esquerda, que defendem esta simbiose. E pensar que deste país saiu um Voltaire nos tempos do Iluminismo! Pobres franceses...
Published on May 19, 2011 02:46
May 18, 2011
A ''ética Jaqueline'' do governo
Editorial do Estadão
Lula ensinou muita coisa aos seus companheiros - e eles aprenderam muito bem pelo menos uma. Há dois anos, no auge das denúncias sobre os podres do Senado, o então presidente saiu em defesa do acossado titular da Casa com palavras que mereciam ser gravadas no mausoléu da ética política nacional. "O Sarney", afirmou, "tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum." Nem o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, a julgar pelo que dele disse o fidelíssimo ex-chefe de gabinete de Lula e atual secretário-geral da Presidência, o companheiraço Gilberto Carvalho. Palocci, entoou, "é muito importante para o nosso governo e para o País", deixando subentendido que uma figura assim incomum não deve ser importunada com revelações sobre os seus negócios no passado recente.
Como a esta altura até os caseiros da capital federal devem saber, no período de quatro anos iniciado em 2006, quando voltou a se eleger deputado federal, depois de seu profícuo interregno como ministro da Fazenda, prematuramente encerrado pelo escândalo Francenildo, Palocci conseguiu a estupenda proeza de multiplicar por 20 o seu patrimônio. Segundo noticiou a Folha de S.Paulo, uma empresa de consultoria, a Projeto, com 99% do capital de R$ 102 mil registrado em nome dele, comprou por R$ 882 mil um escritório de 183 m² nas proximidades da Avenida Paulista e um apartamento de 502 m² na mesma região, pelo qual pagou R$ 6,6 milhões, em duas parcelas quitadas em pouco tempo. A primeira transação data de 2009. A segunda é do ano seguinte, quando Palocci coordenava a campanha presidencial de Dilma Rousseff.
O patrimônio declarado por ele em 2006 à Justiça Eleitoral somava R$ 375 mil, em valores corrigidos. Como deputado, recebeu um total de R$ 974 mil, brutos. As contas da pessoa física, portanto, não fecham. Palocci se recusa a informar quais foram, quanto custaram e para quem a Projeto - ou seja, a pessoa jurídica - prestou os alegados serviços de consultoria que lhe permitiram faturar o suficiente para adquirir aqueles imóveis. Convidado para ser o número um da equipe de Dilma, ele a teria posto a par dos seus negócios e teria sido aconselhado por Gilberto Carvalho a mudar a razão social e o ramo de atuação da firma. Ela passou a se chamar Projeto Administração de Imóveis e ficou sob o controle de um banco. Nomeado ministro, ele teria informado a Comissão de Ética Pública do Planalto da existência da Projeto.
O silêncio de Palocci sobre os negócios da consultora é atordoante. O pouco que ele se dignou a tornar público é insatisfatório, assim como os seus sinais exteriores de riqueza são manifestamente incompatíveis com o seu histórico de rendimentos declarados. O ministro não tem contas a ajustar com a Justiça. As suspeitas de que teria se envolvido, quando prefeito de Ribeirão Preto, com a "máfia do lixo" que operava no município não foram provadas. E o Supremo Tribunal Federal (STF) o absolveu da acusação de ter ordenado a quebra do sigilo bancário do caseiro que testemunhou as suas visitas à mansão do Lago Sul usada para festas e negócios escusos. Mas Palocci, como diria Lula, não é uma pessoa comum: é um homem público, de quem o público pagante tem o direito de saber tudo que possa ou tenha podido marcar o seu desempenho ético.
À falta disso, cada qual fica livre para especular sobre a origem dos recursos do ministro. Nesse sentido, é um escândalo dentro do escândalo a afirmação de Gilberto Carvalho de que "sobre o passado (de Palocci), não cabe ao governo fazer nenhum tipo de investigação". Carvalho é tido pela companheirada como pessoa íntegra (além de religiosa). Para declarar o caso encerrado, inspirou-se no titular da comissão de ética do governo e ex-presidente do STF, Sepúlveda Pertence, outro de quem falam bem. "Não nos cabe indagar", disse ele, "a história da fortuna dos pobres e dos ricos que se tornaram ministro." É a "ética Jaqueline" deste governo. Jaqueline, a deputada filha do notório Joaquim Roriz, é aquela que diz que os seus pares não podem processá-la por quebra de decoro porque, ao ser flagrada recebendo uma bolada ilícita, não havia ainda sido eleita.
Lula ensinou muita coisa aos seus companheiros - e eles aprenderam muito bem pelo menos uma. Há dois anos, no auge das denúncias sobre os podres do Senado, o então presidente saiu em defesa do acossado titular da Casa com palavras que mereciam ser gravadas no mausoléu da ética política nacional. "O Sarney", afirmou, "tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum." Nem o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, a julgar pelo que dele disse o fidelíssimo ex-chefe de gabinete de Lula e atual secretário-geral da Presidência, o companheiraço Gilberto Carvalho. Palocci, entoou, "é muito importante para o nosso governo e para o País", deixando subentendido que uma figura assim incomum não deve ser importunada com revelações sobre os seus negócios no passado recente.
Como a esta altura até os caseiros da capital federal devem saber, no período de quatro anos iniciado em 2006, quando voltou a se eleger deputado federal, depois de seu profícuo interregno como ministro da Fazenda, prematuramente encerrado pelo escândalo Francenildo, Palocci conseguiu a estupenda proeza de multiplicar por 20 o seu patrimônio. Segundo noticiou a Folha de S.Paulo, uma empresa de consultoria, a Projeto, com 99% do capital de R$ 102 mil registrado em nome dele, comprou por R$ 882 mil um escritório de 183 m² nas proximidades da Avenida Paulista e um apartamento de 502 m² na mesma região, pelo qual pagou R$ 6,6 milhões, em duas parcelas quitadas em pouco tempo. A primeira transação data de 2009. A segunda é do ano seguinte, quando Palocci coordenava a campanha presidencial de Dilma Rousseff.
O patrimônio declarado por ele em 2006 à Justiça Eleitoral somava R$ 375 mil, em valores corrigidos. Como deputado, recebeu um total de R$ 974 mil, brutos. As contas da pessoa física, portanto, não fecham. Palocci se recusa a informar quais foram, quanto custaram e para quem a Projeto - ou seja, a pessoa jurídica - prestou os alegados serviços de consultoria que lhe permitiram faturar o suficiente para adquirir aqueles imóveis. Convidado para ser o número um da equipe de Dilma, ele a teria posto a par dos seus negócios e teria sido aconselhado por Gilberto Carvalho a mudar a razão social e o ramo de atuação da firma. Ela passou a se chamar Projeto Administração de Imóveis e ficou sob o controle de um banco. Nomeado ministro, ele teria informado a Comissão de Ética Pública do Planalto da existência da Projeto.
O silêncio de Palocci sobre os negócios da consultora é atordoante. O pouco que ele se dignou a tornar público é insatisfatório, assim como os seus sinais exteriores de riqueza são manifestamente incompatíveis com o seu histórico de rendimentos declarados. O ministro não tem contas a ajustar com a Justiça. As suspeitas de que teria se envolvido, quando prefeito de Ribeirão Preto, com a "máfia do lixo" que operava no município não foram provadas. E o Supremo Tribunal Federal (STF) o absolveu da acusação de ter ordenado a quebra do sigilo bancário do caseiro que testemunhou as suas visitas à mansão do Lago Sul usada para festas e negócios escusos. Mas Palocci, como diria Lula, não é uma pessoa comum: é um homem público, de quem o público pagante tem o direito de saber tudo que possa ou tenha podido marcar o seu desempenho ético.
À falta disso, cada qual fica livre para especular sobre a origem dos recursos do ministro. Nesse sentido, é um escândalo dentro do escândalo a afirmação de Gilberto Carvalho de que "sobre o passado (de Palocci), não cabe ao governo fazer nenhum tipo de investigação". Carvalho é tido pela companheirada como pessoa íntegra (além de religiosa). Para declarar o caso encerrado, inspirou-se no titular da comissão de ética do governo e ex-presidente do STF, Sepúlveda Pertence, outro de quem falam bem. "Não nos cabe indagar", disse ele, "a história da fortuna dos pobres e dos ricos que se tornaram ministro." É a "ética Jaqueline" deste governo. Jaqueline, a deputada filha do notório Joaquim Roriz, é aquela que diz que os seus pares não podem processá-la por quebra de decoro porque, ao ser flagrada recebendo uma bolada ilícita, não havia ainda sido eleita.
Published on May 18, 2011 11:21
O projeto 'politicamente correto' de país
Editorial O Globo
É por si só assustador que o ministério denominado de Educação aprove um livro didático que admita erros de português, e se recuse a recolhê-lo. As entranhas desta história, porém, são até mais graves. A autora do desatino, Heloísa Ramos, tem uma justificativa articulada para admitir, em livro a ser usado em sala de aula, erros toscos de concordância verbal. Em vez de "certo" e "errado", a autora usa os adjetivos "adequada" e "inadequada" para qualificar a gramática utilizada, a depender do ambiente social de cada um.
A explicação enviesada serve de pista para a origem do absurdo. Este atentado à educação pública brasileira, considerada por unanimidade o maior empecilho a que o país atinja um estágio superior de desenvolvimento e se mantenha nele, se assenta numa visão ideológica da sociedade alimentada pela "mitologia do excluído", ligada à "síndrome da tutela estatal". Todo aquele considerado "excluído" da sociedade precisa de um tratamento especial - de acordo -, a lhe ser concedido por um Estado que tudo sabe e toma decisões supostamente corretas para resgatar pessoas da exclusão. Aqui estão os problemas.
É por ser um projeto estruturado, de raízes bem fincadas em Brasília nestes últimos oito anos, que o MEC se curva à escolha do livro sob a alegação de que ele passou pelo crivo de professores universitários. Ora, que seja. O MEC não pode admitir qualquer material didático, em nome do que for, com erro. "Nós pega o peixe" está tão errado quanto dizer que a soma de 2 + 2 é igual a 5. Deriva desta mesma mitologia do excluído o projeto, também engendrado no MEC, de fechar espaços de excelência há gerações a serviço do ensino de crianças com deficiências auditivas e visuais. Por esta ideologia deformada, os alunos estão sendo "excluídos" da sociedade, ao terem um adequado atendimento especial. Mas é o contrário: fechados esses espaços (no Instituto Nacional de Educação de Surdos/Ines e no Instituto Benjamin Constant/IBC), estará, aí sim, decretada a marginalização dos portadores de necessidades especiais. É característica desta cultura do politicamente correto produzir projetos com sérios efeitos colaterais. Um aluno que imagina poder atropelar as regras de concordância será condenado a empregos de baixa remuneração. Crianças com problemas físicos, sem professores e escolas preparados para elas, estarão de fato excluídas da sociedade.
Outro fruto legítimo deste projeto politicamente correto de país são as cotas raciais, em que o mérito fica em segundo plano, e toda a população branca de baixa renda terá barrado o acesso ao ensino superior. Ou, no mínimo, bastante dificultado. Por trás de tudo está o entendimento de que cabe a um Estado forte, onipresente, zelar pela sociedade - mesmo que ela não queira. Decorre da síndrome da tutela estatal, num exemplo recente, a lei que estabelece a bizarra norma de roupas de baixo femininas e masculinas virem com etiquetas de alertas para cuidados com a saúde. A mesma síndrome é responsável por tentativas ilegais da Anvisa de censurar peças publicitárias (apenas lei aprovada no Congresso tem este poder). Até layout de farmácia foi regulamentado para evitar a "automedicação" (?!). O livro de português com erros não é portanto algo isolado. Apenas se trata de um caso mais escabroso, decorrente da influência do politicamente correto em Brasília.
É por si só assustador que o ministério denominado de Educação aprove um livro didático que admita erros de português, e se recuse a recolhê-lo. As entranhas desta história, porém, são até mais graves. A autora do desatino, Heloísa Ramos, tem uma justificativa articulada para admitir, em livro a ser usado em sala de aula, erros toscos de concordância verbal. Em vez de "certo" e "errado", a autora usa os adjetivos "adequada" e "inadequada" para qualificar a gramática utilizada, a depender do ambiente social de cada um.
A explicação enviesada serve de pista para a origem do absurdo. Este atentado à educação pública brasileira, considerada por unanimidade o maior empecilho a que o país atinja um estágio superior de desenvolvimento e se mantenha nele, se assenta numa visão ideológica da sociedade alimentada pela "mitologia do excluído", ligada à "síndrome da tutela estatal". Todo aquele considerado "excluído" da sociedade precisa de um tratamento especial - de acordo -, a lhe ser concedido por um Estado que tudo sabe e toma decisões supostamente corretas para resgatar pessoas da exclusão. Aqui estão os problemas.
É por ser um projeto estruturado, de raízes bem fincadas em Brasília nestes últimos oito anos, que o MEC se curva à escolha do livro sob a alegação de que ele passou pelo crivo de professores universitários. Ora, que seja. O MEC não pode admitir qualquer material didático, em nome do que for, com erro. "Nós pega o peixe" está tão errado quanto dizer que a soma de 2 + 2 é igual a 5. Deriva desta mesma mitologia do excluído o projeto, também engendrado no MEC, de fechar espaços de excelência há gerações a serviço do ensino de crianças com deficiências auditivas e visuais. Por esta ideologia deformada, os alunos estão sendo "excluídos" da sociedade, ao terem um adequado atendimento especial. Mas é o contrário: fechados esses espaços (no Instituto Nacional de Educação de Surdos/Ines e no Instituto Benjamin Constant/IBC), estará, aí sim, decretada a marginalização dos portadores de necessidades especiais. É característica desta cultura do politicamente correto produzir projetos com sérios efeitos colaterais. Um aluno que imagina poder atropelar as regras de concordância será condenado a empregos de baixa remuneração. Crianças com problemas físicos, sem professores e escolas preparados para elas, estarão de fato excluídas da sociedade.
Outro fruto legítimo deste projeto politicamente correto de país são as cotas raciais, em que o mérito fica em segundo plano, e toda a população branca de baixa renda terá barrado o acesso ao ensino superior. Ou, no mínimo, bastante dificultado. Por trás de tudo está o entendimento de que cabe a um Estado forte, onipresente, zelar pela sociedade - mesmo que ela não queira. Decorre da síndrome da tutela estatal, num exemplo recente, a lei que estabelece a bizarra norma de roupas de baixo femininas e masculinas virem com etiquetas de alertas para cuidados com a saúde. A mesma síndrome é responsável por tentativas ilegais da Anvisa de censurar peças publicitárias (apenas lei aprovada no Congresso tem este poder). Até layout de farmácia foi regulamentado para evitar a "automedicação" (?!). O livro de português com erros não é portanto algo isolado. Apenas se trata de um caso mais escabroso, decorrente da influência do politicamente correto em Brasília.
Published on May 18, 2011 10:23
Responsabilidade fiscal na Suécia
Trecho da entrevista publicada no jornal Valor Econômico do primeiro-ministro sueco Fredrik Reinfeldt.
Valor: A Suécia tem uma dívida baixa, um orçamento equilibrado e crescimento forte. Qual é o segredo?
Reinfeldt: Em primeiro lugar, tivemos uma recuperação do nosso comércio. E acho que fizemos muitas coisas certas durante a crise financeira. Nós não cobrimos perdas dos bancos, não adotamos pacotes de estímulo que em geral têm impacto muito ineficiente, como fizeram muitos países. Nós adotamos medidas pontuais para sustentar a demanda interna e setores intensivos em trabalho. Como não gastamos muitos recursos, mantivemos as nossas finanças públicas em ordem. As perdas de empregos que tivemos foram rapidamente compensadas.
Acho que aprendemos, com a nossa própria crise bancária no começo dos anos 90, como controlar o setor bancário, dando mais transparência. Talvez por isso estávamos mais bem preparados do que outros países. Se você lidar de modo errado com uma crise bancária, facilmente acabará dobrando a dívida pública. É muito importante como você lida com seus bancos durante uma crise.
Valor: Por que alguns países europeus estão crescendo enquanto outros estão ficando para trás?
Reinfeldt: Eu acompanho a União Europeia há mais de uma década. Nesse período, nós discutimos uma série de reformas que os países europeus precisavam fazer. E muitos países simplesmente não fizeram essas reformas.
Valor: Que tipo de reformas?
Reinfeldt: Reformas estruturais, como do mercado de trabalho: incentivar os jovens a entrar rapidamente no mercado de trabalho e pessoas idosas a permanecer trabalhando, cortar os custos de burocracia para as empresas, reformar o sistema de bem-estar social para pressionar as pessoas que estão recebendo seguro-desemprego a voltar logo ao trabalho. Nós fizemos tudo isso na Suécia. Outros países preferiram não fazer nada. Mantiveram sistemas de aposentadoria que permitem às pessoas se aposentar aos 50 anos. Isso custa. Ao final, há pouca gente trabalhando, contribuindo, e muita gente querendo receber benefícios pagos com o dinheiro dos contribuintes.
A Suécia tem ainda uma tradição de livre comércio, estamos acostumados a lidar com a competição internacional, estamos presentes em muitas partes do mundo. Outros países são mais fechados, mais focados internamente, não tão engajados no comércio como a Suécia. Isso agora agrava os problemas derivados da crise financeira. E ajuda a explicar porque temos muitos países com problemas na Europa.
Valor: A Suécia tem uma dívida baixa, um orçamento equilibrado e crescimento forte. Qual é o segredo?
Reinfeldt: Em primeiro lugar, tivemos uma recuperação do nosso comércio. E acho que fizemos muitas coisas certas durante a crise financeira. Nós não cobrimos perdas dos bancos, não adotamos pacotes de estímulo que em geral têm impacto muito ineficiente, como fizeram muitos países. Nós adotamos medidas pontuais para sustentar a demanda interna e setores intensivos em trabalho. Como não gastamos muitos recursos, mantivemos as nossas finanças públicas em ordem. As perdas de empregos que tivemos foram rapidamente compensadas.
Acho que aprendemos, com a nossa própria crise bancária no começo dos anos 90, como controlar o setor bancário, dando mais transparência. Talvez por isso estávamos mais bem preparados do que outros países. Se você lidar de modo errado com uma crise bancária, facilmente acabará dobrando a dívida pública. É muito importante como você lida com seus bancos durante uma crise.
Valor: Por que alguns países europeus estão crescendo enquanto outros estão ficando para trás?
Reinfeldt: Eu acompanho a União Europeia há mais de uma década. Nesse período, nós discutimos uma série de reformas que os países europeus precisavam fazer. E muitos países simplesmente não fizeram essas reformas.
Valor: Que tipo de reformas?
Reinfeldt: Reformas estruturais, como do mercado de trabalho: incentivar os jovens a entrar rapidamente no mercado de trabalho e pessoas idosas a permanecer trabalhando, cortar os custos de burocracia para as empresas, reformar o sistema de bem-estar social para pressionar as pessoas que estão recebendo seguro-desemprego a voltar logo ao trabalho. Nós fizemos tudo isso na Suécia. Outros países preferiram não fazer nada. Mantiveram sistemas de aposentadoria que permitem às pessoas se aposentar aos 50 anos. Isso custa. Ao final, há pouca gente trabalhando, contribuindo, e muita gente querendo receber benefícios pagos com o dinheiro dos contribuintes.
A Suécia tem ainda uma tradição de livre comércio, estamos acostumados a lidar com a competição internacional, estamos presentes em muitas partes do mundo. Outros países são mais fechados, mais focados internamente, não tão engajados no comércio como a Suécia. Isso agora agrava os problemas derivados da crise financeira. E ajuda a explicar porque temos muitos países com problemas na Europa.
Published on May 18, 2011 08:10
Enaltecendo a mediocridade
Rodrigo Constantino, para a revista VOTO
"Você não pode ensinar todos no mesmo ritmo, a menos que este ritmo seja reduzido para acomodar o menor denominador comum." (Thomas Sowell)
A cultura americana tradicionalmente preza o mérito individual, enquanto o costume brasileiro invariavelmente apela para o coletivismo. Chega-se ao cúmulo, como teria desabafado Tom Jobim certa vez, de se considerar o sucesso um insulto pessoal por aqui. Não lidamos bem com as conquistas individuais, que logo atribuímos a algum conchavo político ou pura sorte. Não que estes fatores não existam, e até com freqüência. Mas uma sociedade que não aprende a domar a inveja natural e apreciar seus cérebros mais destacados está fadada ao fracasso.
Esta característica deve estar presente desde cedo. Qualquer um que convive com crianças sabe como elas são competitivas por natureza. Não há mal nisso. Cada um deseja se destacar de alguma forma. O sucesso na vida não é para todos mesmo, e não adianta alimentar ilusão contrária. O comunista Trotski sonhava com um mundo habitado por gênios como Goethe, todos com incrível talento, sem perceber que se todos fossem como o grande pensador alemão, este padrão de inteligência seria o normal. Ou seja, nada demais. E, com certeza, alguns cérebros mais brilhantes logo começariam a se distanciar desta média, despertando a inveja em muitos.
Em entrevista para a revista VEJA, o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis, um dos grandes matemáticos do país, disse: "A experiência das melhores escolas, no Brasil e no exterior, mostra que uma boa aula pressupõe desafiar os estudantes o tempo todo, de modo que eles sejam expostos a problemas cada vez mais complexos e estimulantes intelectualmente, o avesso da decoreba. Apenas num ambiente assim se abre o espaço necessário para a inventividade". Crianças precisam de estímulos para progredir, e somente um ambiente desafiador oferece isso.
Mas o matemático alertou: "O problema é que muita gente no Brasil ainda resiste a essas ideias. Dizem que os grandes desafios causam pressão sobre estudantes tão jovens e aguçam a competitividade. Mas por que se opor à competição no ambiente escolar? Não faz sentido. Precisamos, repito, criar mecanismos para rastrear os talentos precoces para as ciências e dar-lhes todas as oportunidades e incentivos, como ocorre, há mais de um século, no mundo desenvolvido". De fato, o estímulo à competição não costuma ser bem visto no Brasil, e arrisco dizer que a situação está piorando sob a atual ditadura velada do politicamente correto.
Tivemos oito anos de governo de um presidente que não apenas falava errado, mas sentia orgulho de sua pouca cultura e educação. A ignorância voluntária deixou de ser vergonha e foi alçada ao patamar de quase reverência. Recentemente, vimos um dos resultados disso: a polêmica que causou o próprio MEC aprovando um livro que ensina a falar de forma errada. A autora argumenta que devemos trocar os conceitos de "certo" e "errado" por "adequado" ou "inadequado". É o assassínio da gramática à luz do dia, com o auxílio do ministério que existe para tratar da educação! Talvez o próximo passo seja decretar que dois com dois não dá necessariamente quatro. O incômodo problema da inflação desapareceria num passe de mágica. Tudo depende do gosto do freguês...
Alguns podem achar que a reação foi excessiva, que é muito barulho por nada. Discordo. Em minha opinião, trata-se de um sintoma preocupante do tempo que estamos vivendo. A busca pela igualdade de resultados chegou a patamares doentios no Brasil. Nem todos que querem ser diplomatas falam o inglês, língua oficial da diplomacia internacional? Então tira-se o inglês da prova. Problema resolvido. Os mais pobres estudam em escolas que não oferecem qualidade de ensino para competir pelas vagas nas universidades federais? Então vamos criar cotas para arrombar a porta dos fundos destas instituições! A taxa de repetência é elevada? Vamos acabar com ela. E assim por diante.
Em outras palavras, o governo ataca somente os sintomas, nunca as causas. E sempre com esta nefasta mentalidade que valoriza a igualdade de resultados antes dos méritos individuais. Celebra-se a mediocridade neste país! Adota-se caminho oposto àquele seguido pela Coréia do Sul ou Chile, que souberam colocar ênfase nas conquistas individuais e deixar os ranços ideológicos de lado, investindo no aprendizado do inglês, por exemplo. No Brasil, ao contrário, ainda tem deputado que perde tempo defendendo leis que vetariam o uso de certas palavras da língua do "império". É muito complexo de inferioridade mesmo.
Como sabia Adam Smith, "a inveja é a paixão que vê com maligno desgosto a superioridade dos que realmente têm direito a toda a superioridade que possuem". Quando os brasileiros vão deixar esta inveja para trás? Uma sociedade igualitária é uma sociedade que assume o ritmo de progresso do mais medíocre dos seres medíocres. É isso mesmo que o Brasil quer? Até quando vamos enaltecer a mediocridade por aqui?
"Você não pode ensinar todos no mesmo ritmo, a menos que este ritmo seja reduzido para acomodar o menor denominador comum." (Thomas Sowell)
A cultura americana tradicionalmente preza o mérito individual, enquanto o costume brasileiro invariavelmente apela para o coletivismo. Chega-se ao cúmulo, como teria desabafado Tom Jobim certa vez, de se considerar o sucesso um insulto pessoal por aqui. Não lidamos bem com as conquistas individuais, que logo atribuímos a algum conchavo político ou pura sorte. Não que estes fatores não existam, e até com freqüência. Mas uma sociedade que não aprende a domar a inveja natural e apreciar seus cérebros mais destacados está fadada ao fracasso.
Esta característica deve estar presente desde cedo. Qualquer um que convive com crianças sabe como elas são competitivas por natureza. Não há mal nisso. Cada um deseja se destacar de alguma forma. O sucesso na vida não é para todos mesmo, e não adianta alimentar ilusão contrária. O comunista Trotski sonhava com um mundo habitado por gênios como Goethe, todos com incrível talento, sem perceber que se todos fossem como o grande pensador alemão, este padrão de inteligência seria o normal. Ou seja, nada demais. E, com certeza, alguns cérebros mais brilhantes logo começariam a se distanciar desta média, despertando a inveja em muitos.
Em entrevista para a revista VEJA, o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis, um dos grandes matemáticos do país, disse: "A experiência das melhores escolas, no Brasil e no exterior, mostra que uma boa aula pressupõe desafiar os estudantes o tempo todo, de modo que eles sejam expostos a problemas cada vez mais complexos e estimulantes intelectualmente, o avesso da decoreba. Apenas num ambiente assim se abre o espaço necessário para a inventividade". Crianças precisam de estímulos para progredir, e somente um ambiente desafiador oferece isso.
Mas o matemático alertou: "O problema é que muita gente no Brasil ainda resiste a essas ideias. Dizem que os grandes desafios causam pressão sobre estudantes tão jovens e aguçam a competitividade. Mas por que se opor à competição no ambiente escolar? Não faz sentido. Precisamos, repito, criar mecanismos para rastrear os talentos precoces para as ciências e dar-lhes todas as oportunidades e incentivos, como ocorre, há mais de um século, no mundo desenvolvido". De fato, o estímulo à competição não costuma ser bem visto no Brasil, e arrisco dizer que a situação está piorando sob a atual ditadura velada do politicamente correto.
Tivemos oito anos de governo de um presidente que não apenas falava errado, mas sentia orgulho de sua pouca cultura e educação. A ignorância voluntária deixou de ser vergonha e foi alçada ao patamar de quase reverência. Recentemente, vimos um dos resultados disso: a polêmica que causou o próprio MEC aprovando um livro que ensina a falar de forma errada. A autora argumenta que devemos trocar os conceitos de "certo" e "errado" por "adequado" ou "inadequado". É o assassínio da gramática à luz do dia, com o auxílio do ministério que existe para tratar da educação! Talvez o próximo passo seja decretar que dois com dois não dá necessariamente quatro. O incômodo problema da inflação desapareceria num passe de mágica. Tudo depende do gosto do freguês...
Alguns podem achar que a reação foi excessiva, que é muito barulho por nada. Discordo. Em minha opinião, trata-se de um sintoma preocupante do tempo que estamos vivendo. A busca pela igualdade de resultados chegou a patamares doentios no Brasil. Nem todos que querem ser diplomatas falam o inglês, língua oficial da diplomacia internacional? Então tira-se o inglês da prova. Problema resolvido. Os mais pobres estudam em escolas que não oferecem qualidade de ensino para competir pelas vagas nas universidades federais? Então vamos criar cotas para arrombar a porta dos fundos destas instituições! A taxa de repetência é elevada? Vamos acabar com ela. E assim por diante.
Em outras palavras, o governo ataca somente os sintomas, nunca as causas. E sempre com esta nefasta mentalidade que valoriza a igualdade de resultados antes dos méritos individuais. Celebra-se a mediocridade neste país! Adota-se caminho oposto àquele seguido pela Coréia do Sul ou Chile, que souberam colocar ênfase nas conquistas individuais e deixar os ranços ideológicos de lado, investindo no aprendizado do inglês, por exemplo. No Brasil, ao contrário, ainda tem deputado que perde tempo defendendo leis que vetariam o uso de certas palavras da língua do "império". É muito complexo de inferioridade mesmo.
Como sabia Adam Smith, "a inveja é a paixão que vê com maligno desgosto a superioridade dos que realmente têm direito a toda a superioridade que possuem". Quando os brasileiros vão deixar esta inveja para trás? Uma sociedade igualitária é uma sociedade que assume o ritmo de progresso do mais medíocre dos seres medíocres. É isso mesmo que o Brasil quer? Até quando vamos enaltecer a mediocridade por aqui?
Published on May 18, 2011 05:55
May 17, 2011
Sorrisos de orelha a orelha
JOÃO PEREIRA COUTINHO, Folha de SP
QUE SE passa contigo, Brasil? Leio e pasmo: o país da alegria está afundado em tristeza. O periódico médico "Lancet" investigou. Sentença: as doenças mentais são as principais responsáveis pelos anos de vida perdidos no país devido a maleitas crônicas.
Depressão. Psicoses. Dependência de álcool. Em São Paulo, um em cada dez adultos está na fossa. Será que Nelson Rodrigues tinha razão quando dizia que a maior forma de solidão é a companhia de um paulista?
Os especialistas avançam com explicações científicas para apaziguar o abismo. Existem causas bioquímicas, que antigamente eram difíceis de diagnosticar ou tratar. Existe uma longevidade humana que aprofunda os problemas mentais.
Certo, tudo certo. Mas posso sugerir ao leitor deprimido um dos mais importantes livros sobre a nossa desgraçada condição?
Pascal Bruckner escreveu-o, e o título diz tudo: "A Euforia Perpétua - Ensaio sobre o Dever de Felicidade" (ed. Bertrand).
Não, não é um livro sobre o Brasil e a imagem solar e carnavalesca para consumo turístico. É um livro sobre a natureza da felicidade no Ocidente pós-moderno, o que implica uma comparação com o Ocidente pré-moderno.
Regressemos à Idade Média. E perguntemos aos nossos antepassados o que significava a felicidade para eles. A resposta oscilaria entre o riso e a estupefação. Felicidade? Para homens que transportam o pecado sobre o lombo e se arrastam por um vale de lágrimas?
A vida é passagem. Se felicidade existe, ela existe do outro lado: esse momento redentor em que, pesadas as virtudes e os vícios, somos contemplados com o paraíso perdido.
Explica Bruckner que o iluminismo alterou profundamente essa concepção ao remeter o divino para o seu diminuto, ou nulo, papel. A construção da felicidade passou a ser terrena, dependendo de mãos terrenas e não dos caprichos de uma divindade julgadora.
O problema é que essa "secularização" da felicidade não terminou com as nossas infelicidades. Aumentou-as significativamente ao transformar a felicidade em direito e, de forma crescente, em dever.
Hoje, não queremos apenas ser felizes. Sentimos a obrigação esmagadora de o ser: de acumular os objetos, as experiências e as aparências de uma utopia pessoal tão devastadora como as utopias coletivas do passado.
Nós e apenas nós somos os autores do nosso próprio roteiro. Falhar é falhar sem desculpa: "O paraíso terreno é onde eu estou", dizia Voltaire. O inferno também, digo eu. Mas como lidar com as chamas da infelicidade quando me prometeram tudo e um pouco mais?
Não é por acaso, explica Pascal Bruckner, que somos a primeira civilização que se sente infeliz por não ser feliz; no fundo, a primeira civilização para a qual a tristeza e a dor, a doença e a decadência, a velhice e a morte são vistas como aberrações que não estavam no programa.
E essas aberrações são tratadas como aberrações: proscritas por uma sociedade de euforia perpétua.
Infelizmente, uma sociedade de euforia perpétua só pode gerar perpétuos hipocondríacos, avisa Bruckner: gente obcecada com o estado do corpo e da alma, e que vai ao tapete ao mínimo sinal de alarme. Quem vive para um único fim perfeito não pode tolerar uma multidão de momentos imperfeitos.
Ilusões. Agônicas ilusões. Porque nem todo o poder dos homens foi capaz de extirpar as misérias humanas; perversamente, o que a modernidade fez foi abolir a sua expressão pública, uma forma de as remeter para canais esconsos, silenciosos, invisíveis. Como um vulcão em atividade dormente que explode no dia em que o sorriso petrifica.
O ensaio de Pascal Bruckner, ao analisar os descontentamentos das sociedades afluentes, de que o Brasil é agora um representante excelso, não é uma apologia da tristeza; muito menos de um regresso à medievalidade cristã, como se isso fosse razoável ou desejável. "O fato de nem tudo ser possível", escreve o autor, "não significa que nada é permitido".
Na verdade, muito é permitido. Mas a única forma de domar a "euforia perpétua" passa por entender que a felicidade não é um direito nem um dever; a felicidade é, quando muito, a decorrência contingente de uma ambição mais modesta e que, à falta de melhor palavra, se designa simplesmente por viver.
QUE SE passa contigo, Brasil? Leio e pasmo: o país da alegria está afundado em tristeza. O periódico médico "Lancet" investigou. Sentença: as doenças mentais são as principais responsáveis pelos anos de vida perdidos no país devido a maleitas crônicas.
Depressão. Psicoses. Dependência de álcool. Em São Paulo, um em cada dez adultos está na fossa. Será que Nelson Rodrigues tinha razão quando dizia que a maior forma de solidão é a companhia de um paulista?
Os especialistas avançam com explicações científicas para apaziguar o abismo. Existem causas bioquímicas, que antigamente eram difíceis de diagnosticar ou tratar. Existe uma longevidade humana que aprofunda os problemas mentais.
Certo, tudo certo. Mas posso sugerir ao leitor deprimido um dos mais importantes livros sobre a nossa desgraçada condição?
Pascal Bruckner escreveu-o, e o título diz tudo: "A Euforia Perpétua - Ensaio sobre o Dever de Felicidade" (ed. Bertrand).
Não, não é um livro sobre o Brasil e a imagem solar e carnavalesca para consumo turístico. É um livro sobre a natureza da felicidade no Ocidente pós-moderno, o que implica uma comparação com o Ocidente pré-moderno.
Regressemos à Idade Média. E perguntemos aos nossos antepassados o que significava a felicidade para eles. A resposta oscilaria entre o riso e a estupefação. Felicidade? Para homens que transportam o pecado sobre o lombo e se arrastam por um vale de lágrimas?
A vida é passagem. Se felicidade existe, ela existe do outro lado: esse momento redentor em que, pesadas as virtudes e os vícios, somos contemplados com o paraíso perdido.
Explica Bruckner que o iluminismo alterou profundamente essa concepção ao remeter o divino para o seu diminuto, ou nulo, papel. A construção da felicidade passou a ser terrena, dependendo de mãos terrenas e não dos caprichos de uma divindade julgadora.
O problema é que essa "secularização" da felicidade não terminou com as nossas infelicidades. Aumentou-as significativamente ao transformar a felicidade em direito e, de forma crescente, em dever.
Hoje, não queremos apenas ser felizes. Sentimos a obrigação esmagadora de o ser: de acumular os objetos, as experiências e as aparências de uma utopia pessoal tão devastadora como as utopias coletivas do passado.
Nós e apenas nós somos os autores do nosso próprio roteiro. Falhar é falhar sem desculpa: "O paraíso terreno é onde eu estou", dizia Voltaire. O inferno também, digo eu. Mas como lidar com as chamas da infelicidade quando me prometeram tudo e um pouco mais?
Não é por acaso, explica Pascal Bruckner, que somos a primeira civilização que se sente infeliz por não ser feliz; no fundo, a primeira civilização para a qual a tristeza e a dor, a doença e a decadência, a velhice e a morte são vistas como aberrações que não estavam no programa.
E essas aberrações são tratadas como aberrações: proscritas por uma sociedade de euforia perpétua.
Infelizmente, uma sociedade de euforia perpétua só pode gerar perpétuos hipocondríacos, avisa Bruckner: gente obcecada com o estado do corpo e da alma, e que vai ao tapete ao mínimo sinal de alarme. Quem vive para um único fim perfeito não pode tolerar uma multidão de momentos imperfeitos.
Ilusões. Agônicas ilusões. Porque nem todo o poder dos homens foi capaz de extirpar as misérias humanas; perversamente, o que a modernidade fez foi abolir a sua expressão pública, uma forma de as remeter para canais esconsos, silenciosos, invisíveis. Como um vulcão em atividade dormente que explode no dia em que o sorriso petrifica.
O ensaio de Pascal Bruckner, ao analisar os descontentamentos das sociedades afluentes, de que o Brasil é agora um representante excelso, não é uma apologia da tristeza; muito menos de um regresso à medievalidade cristã, como se isso fosse razoável ou desejável. "O fato de nem tudo ser possível", escreve o autor, "não significa que nada é permitido".
Na verdade, muito é permitido. Mas a única forma de domar a "euforia perpétua" passa por entender que a felicidade não é um direito nem um dever; a felicidade é, quando muito, a decorrência contingente de uma ambição mais modesta e que, à falta de melhor palavra, se designa simplesmente por viver.
Published on May 17, 2011 08:18
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